sexta-feira, 7 de agosto de 2020

A Juridicização dos Deveres Morais: Entenda o caso da da filha que receberá indenização por sofrer abandono do pai

Filha receberá indenização por sofrer abandono do pai

Dano pela negligência paterna foi comprovado por laudo psicológico

Afeto não é coisa, mas sentimento, e é preciso que um pai saiba que não basta pagar pensão alimentícia para dar como quitado o seu dever, que vai além disso. O descumprimento desse dever causa dano, devendo ser reparado por meio de indenização. Essa foi a conclusão do juiz da 1ª Vara Cível de Barbacena, Lelio Erlon Alves Tolentino, ao reconhecer o abandono afetivo de uma filha e condenar o pai a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais.

A jovem, hoje com 19 anos, foi reconhecida oficialmente após exame de DNA feito por determinação judicial em 2005. No entanto, ele nunca participou da criação da menina, agindo como se ela nunca tivesse existido.

Na Justiça, ela relatou que, por causa do abandono afetivo, vive triste e angustiada e entrou em depressão, fazendo uso contínuo remédios. Laudo técnico social comprovou que a ausência da figura paterna causou danos durante toda a infância e adolescência dela. Entendemos aqui a tese da Juridicização dos Deveres Morais.

Argumentos do pai

O pai apresentou contestação, alegando que a mãe da menina sempre dificultou o contato entre eles. Disse ainda que nunca desamparou economicamente sua filha e sempre ficou à disposição para o que fosse necessário.

O juiz Lelio Tolentino se baseou em artigos do Código Civil, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Constituição Federal, além da conclusão do laudo técnico e das provas testemunhais para comprovar o dano moral.

“O abandono afetivo se mostra patente, diante da inexistência da presença do pai na vida cotidiana de sua filha, não fazendo ele questão de manter contato, constituindo nova família e negligenciando sua paternidade, sendo certo que as desavenças existentes entre os pais não se prestam a justificar o abandono”, disse.

A decisão é passível de recurso, por ser de primeira instância. Os nomes dos envolvidos e o número do processo foram suprimidos para preservar a intimidade de todos.

FONTE: Site do TJMG. Disponível em <https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/filha-recebera-indenizacao-por-sofrer-abandono-do-pai.htm#.Xy1SKq-SlPY> Acesso 06 de Ago. de 2020.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) 30 ANOS DE EXISTÊNCIA

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) 30 ANOS DE EXISTÊNCIA



Por Carolina Cunha

A violência contra a criança e o adolescente sempre esteve presente na sociedade e em diferentes classes sociais. No Brasil, um avanço importante para reconhecer crianças e adolescentes como cidadãos com direitos e deveres foi a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado pela Lei 8.069, e que em julho de 2020 completa 30 anos.

O ECA representa um marco jurídico que instaurou a proteção integral e uma carta de direitos fundamentais à infância e à juventude. Ele considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.

A lei estabelece: "É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária".

Ao todo, o estatuto tem 267 artigos que abordam diversos temas como o acesso a saúde e educação, proteção contra a violência e tipificação de crimes contra a criança, proteção contra o trabalho infantil, regras da guarda, tutela e adoção, proibição do acesso a bebidas alcóolicas, autorização para viajar, entre outras questões.

A criação da lei

Antes de 1988, o Brasil contava com o Código de Menores, documento legal para a população menor de 18 anos e que visava especialmente à questão de menores em “situação irregular”, de vulnerabilidade social. A visão tradicional da época era de que crianças e adolescentes eram incapazes e consideradas um problema para o Estado e autoridades judiciárias.

O ECA foi criado pouco depois da promulgação da nova Carta Magna, a Constituição Federal de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”, por prever novos direitos fundamentais aos brasileiros.

A lei regulamenta o artigo 227 da Constituição, que garante os direitos das crianças e dos adolescentes: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em 1989 houve a Convenção sobre os Direitos da Criança pela Assembleia Geral das Nações Unidas, ocasião em que foram discutidos compromissos internacionais que abriram caminho para as discussões do ECA no ano de 1990. O Brasil, então, tornou-se o primeiro país a adequar a legislação interna aos princípios consagrados pela Convenção. Ao longo dos anos, o Estatuto teve alterações introduzidas em eu texto, como por exemplo, a Lei de Adoção (2009), que acelera o processo de adoção e cria mecanismos para evitar que crianças e adolescentes fiquem mais de dois anos em abrigos.

Hoje o Estatuto é considerado um dos melhores do mundo, uma referência internacional em legislação para essa faixa etária e inspirou legislações semelhantes em vários países. Apesar disso, ainda hoje suas leis são desconhecidas pela maioria da população brasileira e em muitos municípios sua aplicação prática é descumprida.

Apesar de o ECA ter transformado a relação da sociedade com a questão dos direitos de crianças e adolescentes, ele ainda é ineficaz em diversos aspectos. Há muito que avançar nos direitos fundamentais assegurando a meninos e meninas uma educação de qualidade, assistência médica, moradia, alimentação, convivência familiar e comunitária, cultura, esporte, lazer, liberdade, dignidade e respeito.

Mudanças que a lei trouxe

Antes de o ECA ser promulgado, o Estado entendia que não havia diferença entre criança e adolescente. Também era comum ver crianças trabalhando ao invés de estudarem ou brincarem. O ECA contribuiu para que muitas mudanças acontecessem:

  • Reconhecimento de direitos: garantir que as crianças e adolescentes brasileiros, até então reconhecidos como meros objetos de intervenção da família e do Estado, passem a ser levados a sério e tratados como sujeitos autônomos. Hoje as crianças são vistas como cidadãos em desenvolvimento e que precisam de proteção.
  • Ensino: todo jovem tem direito a escola gratuita. E os pais são obrigados a matricular os filhos na escola.
  • Lazer: toda criança tem o direito de brincar, praticar esportes e se divertir
  • Saúde: crianças e adolescentes têm prioridade no recebimento de socorro médico, devem ser vacinados gratuitamente.
  • Políticas públicas de atendimento à infância e juventude: estabeleceu uma maior participação da sociedade civil, poderes públicos e dos municípios em ações de proteção e assistência social.
  • Proteção contra a violência: reconheceu a proteção contra a discriminação, violência, abuso sexual e proibição de castigos imoderados e crueis
  • Proibição do trabalho infantil: determinação da proibição de trabalho infantil e proteção ao trabalho do adolescente. A única exceção é dada aos aprendizes, que podem trabalhar a partir dos 14 anos com carga horária reduzida.
  • Conselho Tutelar: para cumprir e fiscalizar os direitos previstos pelo ECA, foi criado o Conselho Tutelar, órgão municipal formado por membros da sociedade civil. Atualmente 98% dos municípios contam com o apoio de conselheiros.
  • Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente: foram criados os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, que existem nas esferas municipal, estadual e nacional e têm como atribuição o monitoramento e a proposição de políticas públicas.
  • Novas regras para o adolescente infrator: foram definidas medidas socioeducativas para infratores entre 12 e 18 anos que precisam cumprir pena em unidades que visam à reeducação e a reintegração do jovem. 

A polêmica da redução da maioridade penal

Um dos pontos mais criticados do ECA é a questão de como tratar o ato infracional praticado por menores. A maioridade penal é a idade mínima para uma pessoa ser julgada como adulto. No Brasil, essa idade é 18 anos. Se menores cometerem atos ilegais, a legislação que julga e decide a punição é o Estatuto, que possui artigos que se dedicam ao ato infracional.

A lei prevê que a menor idade de responsabilidade criminal é 12 anos. Entre 12 e 18 anos, estes jovens infratores devem ser atendidos por um sistema de justiça juvenil e com medidas socioeducativas que podem incluir internação em instituição para adolescentes. A pena máxima é de três anos.

Há quem considere a lei branda demais para punir adolescentes que comentem crimes ou infrações. Isso vem motivando um debate acalorado sobre a questão da redução da maioridade penal.

Em março de 2015, a Câmara dos Deputados retomou a discussão da PEC 171/1993, projeto que propõe baixar de 18 para 16 anos a idade mínima para, em casos de crimes violentos, uma pessoa ser julgada pela Justiça Comum. O projeto está aguardando apreciação pelo Senado Federal desde 2015.

Defensores do ECA afirmam que o crime deve ser punido, mas é preciso considerar as diferenças no desenvolvimento físico e psicológico nos adolescentes em relação aos adultos. Para críticos, o Estado não é eficaz em recuperar o menor, e o ECA seria um instrumento que garantiria a impunidade em relação aos adolescentes em conflito com a lei.

Bibliografia

Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível online

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente 9ª, Vários autores (DP&A, 2009)

Direitos Da Criança: Era Uma Vez..., A. Reis Monteiro (Almedina, 2010)

segunda-feira, 6 de julho de 2020

A Constituição e a defesa do regime democrático

A Constituição e a defesa do regime democrático

Autor: Geraldo Brindeiro 

A Constituição estabelece que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, por intermédio de representantes eleitos ou diretamente. A soberania popular é norma constitucional. E o voto direto, secreto, universal e periódico é cláusula pétrea. Na democracia representativa, contudo, as maiorias são eventuais. Daí a importância da preservação das liberdades e dos direitos fundamentais – não apenas no período eleitoral, mas durante todo o mandato dos eleitos. O eleitorado – sobretudo as novas gerações de eleitores – precisa ter garantida a plenitude das liberdades e do acesso às informações dos governantes para avaliar seu desempenho e votar livremente nas eleições seguintes.

No regime presidencialista – adotado no Brasil desde o início da República, nos moldes do presidencialismo originário dos Estados Unidos da América – a maioria elege o presidente da República e os membros do Congresso Nacional para exercerem o poder durante os respectivos mandatos. Na República e na democracia, portanto, por definição, o poder político é temporário e limitado. Deve ser exercido, durante o mandato eletivo, com o devido respeito à Constituição e às leis do País e observado o princípio da separação dos Poderes – que é também cláusula pétrea, assim como a Federação e os direitos e garantias individuais.

Na célebre obra De l’Esprit des Lois, em 1748, Montesquieu criou a doutrina da separação dos Poderes exatamente para evitar a concentração de poder e preservar as liberdades e os direitos fundamentais. E nos The Federalist Papers, escritos durante o período de realização da Convenção de Filadélfia, que deu origem ao presidencialismo e à Constituição americana de 1787, James Madison foi além e preconizou a adoção do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) para realizar o controle recíproco dos Poderes no exercício de suas funções constitucionais, evitando abusos e excessos do que denominou majority tyranny (Federalist n.º 51). Finalmente, Alexander Hamilton observou ainda que a garantia da supremacia da Constituição é responsabilidade do Poder Judiciário em razão da natureza de suas funções: “... the judiciary, from the nature of its functions, will always be the least dangerous to the political rights of the Constitution” (Federalist n.º 78).

O Poder Executivo dirige a administração pública (“holds the sword”), o Poder Legislativo controla as finanças do Estado (commands the purse) e prescreve as normas legais (“prescribe the rules”...) e o Poder Judiciário julga de acordo com a Constituição e as leis (“The interpretation of the laws is the proper and peculiar province of the courts”). 

Os ministros do Supremo Tribunal Federal – tal como os justices da Suprema Corte americana – não são eleitos pelo voto popular. São, todavia, os guardiães da vontade do povo expressa na Assembleia Constituinte e formalizada na Constituição. E sua nomeação transcende o mandato do presidente que os nomeou após prévia aprovação do Senado. A vitaliciedade garante sua independência para realizar os julgamentos. A vedação de atividade político-partidária lhes confere isenção e imparcialidade ao interpretar a Constituição e as leis do País, sem estar adstritos às contingências de mandato eletivo, o que assegura a estabilidade jurídica e a promoção do bem comum, e não de interesses de facções políticas.

No livro A Preface to Democratic Theory, Robert Dahl observa que James Madison, ao referir-se ao princípio republicano, preconiza a necessidade de instituição “that will blend stability and liberty” de maneira a assegurar os interesses comuns e permanentes da comunidade (Federalist n.º 63). Alexander Bickel, professor de Yale, na obra The Least Dangerous Branch – The Supreme Court at the Bar of Politics, argumenta que, desde Marbury versus Madison em 1803, quando a Suprema Corte criou o judicial review, esta tem a última palavra sobre a interpretação da Constituição. E observa que a Suprema Corte tem mantido contínuo colóquio com as instituições políticas para alcançar acomodação e compromisso sem abandono de princípio, destacando o caráter contramajoritário do seu papel. Laurence Tribe, professor de Harvard, no livro On Reading the Constitution argumenta que interpretar a Constituição não é reescrevê-la. E a despeito de teorias de interpretação e hermenêutica com alto grau de abstração dos princípios e normas constitucionais, é preciso estabelecer linha divisória entre o que a Constituição diz e o que o intérprete deseja que ela diga, sob pena de violação da vontade do povo manifestada na assembleia constituinte. Alexander Hamilton já observara que não se deve supor que o Judiciário seja superior ao Legislativo, mas sim que o poder do povo expresso na Constituição é superior a ambos.

O governo democrático deve respeitar a liberdade de expressão e de imprensa, admitir críticas e garantir o acesso de todos às informações governamentais. Não há democracia sem liberdade, pluralidade de ideias e de partidos políticos e tolerância recíproca na convivência e na diversidade. E a Constituição estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. E ao Ministério Público, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

*DOUTOR EM DIREITO POR YALE, PROFESSOR DA UNB, FOI PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA (1995-2003)
Disponível em: <https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/a-constitui%c3%a7%c3%a3o-e-a-defesa-do-regime-democr%c3%a1tico/ar-BB16nuDE?ocid=msedgdhp>

sábado, 30 de maio de 2020

Coronavírus Sars-Cov-2 Cem mil mortos nos EUA e trinta mil mortos no Brasil


O nome do novo corona vírus (COVID-19) mudou para Sars-Cov-2, mas seus efeitos não mudaram. Segundo levantamento feito na quarta-feira (27/05) pela Universidade Johns Hopkins <https://coronavirus.jhu.edu/data/mortality>nos EUA o país ultrapassou a marca de 100 mil mortos pelo vírus. E aqui no Brasil infelizmente na data de hoje atingimos o número de 30 mil mortos de acordo com o site do Ministério da Saúde <https://covid.saude.gov.br/>


segunda-feira, 25 de maio de 2020

"Revolta moral" para "salvar vidas" na pandemia do Covid-19

Em texto divulgado na Alemanha, políticos, cientistas e religiosos alertam contra seletividade nos sistemas de saúde em detrimento das pessoas mais vulneráveis e pedem "revolta moral" para "salvar vidas".

O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas



O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas© picture-alliance/dpa/A.I. Bänsch 

Personalidades da política, ciência e lideranças religiosas lançaram um apelo internacional pela valorização da vida dos idosos em meio a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus, exigindo um "revolta moral".

"Toda a energia necessária deve ser investida para salvar o maior número de vidas e garantir a todos o acesso aos tratamentos", diz o texto publicado no último sábado (23/05) em anúncio no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, assinado, entre outros, pelo filósofo e sociólogo Jürgen Habermas.
"O valor da vida deve ser o mesmo para todos. Os que desvalorizam as vidas frágeis e debilitadas dos idosos abrem caminho para a desvalorização de todas as demais vidas", diz o texto. Entre os vários signatários estão o ex-presidente da Comissão Europeia e ex-premiê da Itália Romano Prodi, a ex-ministra alemã da Educação Annette Schavan e o arcebispo de Bolonha, Matteo Zuppi.
O texto alerta que em muitos países surge "um modelo perigoso" que consiste na seletividade dos sistemas de saúde, onde a vida dos idosos é considerada secundária. "Sua maior vulnerabilidade, a idade avançada e a possibilidade da existência de outras doenças, servem para justificar uma seleção em favor dos mais jovens e mais saudáveis", prossegue.
Se omitir e permitir que isso aconteça é algo humanamente e legalmente inaceitável, afirmam os signatários. "A ética democrática e humana se baseia em não fazer distinção entre as pessoas, mesmo no que diz respeito à idade." Eles alertam que isso poderá gerar uma divisão na sociedade baseada nas faixas etárias.
Em todas as culturas, existe a percepção de que as gerações mais velhas são fundamentais. "A aceitação da existência de valores diferentes termina por rasgar o tecido social da solidariedade entre as gerações e dividir a sociedade. Não podemos deixar morrer a geração que lutou contra as ditaduras e que trabalhou na reconstrução do pós-guerra e reergueu a Europa", diz o texto, que resulta do aumento das preocupações com o alto número de mortes entre idosos nos últimos meses.
Os signatários afirmam que a "revolta moral" se faz necessária para que possa haver uma "mudança de direção no tratamento dos mais velhos, de modo que aqueles em condições mais vulneráveis jamais sejam vistos como fardos ou, ainda pior, como inúteis."

RC/dpa

https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/personalidades-pedem-valoriza%c3%a7%c3%a3o-das-vidas-dos-idosos-em-meio-%c3%a0-pandemia/ar-BB14zMY3?ocid=msedgntp

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Zenão de Eléia e o Imobilismo


Zenão de Eléia - 489 à 430 a.C. 

Breve biografia

Zenão de Eléia (cerca de 495 a.C. – 430 a.C.) nasceu em Eléia, hoje Itália. Discípulo de Parmênides de Eléia defendeu de modo apaixonado a filosofia do mestre. Seu método consistia na elaboração de paradoxos. Deste modo, não pretendia refutar diretamente as teses que combatia mas sim mostrar os absurdos daquelas teses (e, portanto, sua falsidade). Acredita-se que Zenão tenha criado cerca de quarenta destes paradoxos, todos contra a multiplicidade, a divisibilidade e o movimento (que nada mais são que ilusões, segundo a escola eleática). Ao contrário de Heráclito de Éfeso, Zenão exerceu atividade política. Consta que teria participado de uma conspiração contra o tirano local, sendo preso e torturado. Aristóteles o considera o criador da dialética.

O paradoxo da “dicotomia” (1° argumento contra o movimento)

“Movendo-se de um ponto de partida, um corpo pode alcançar a meta estabelecida. No entanto, isso não é possível. Com efeito, antes de alcançar a meta, tal corpo deveria percorrer a metade do caminho que deve percorrer e, antes disso, a metade da metade e, antes a metade da metade da metade e assim por diante, ao infinito (a metade da metade...nunca chega ao zero)”

REALE, G. ANTISERI. História da Filosofia. Vol. I, 6ª Edição. São Paulo: Paulus, 1990.

O paradoxo do veloz Aquiles (2° argumento)

Esta argumentação sustenta que o mais lento não será jamais alcançado, na sua corrida, pelo mais veloz. De fato, é preciso que aquele que segue ao encalço chegue primeiro ao lugar de onde partiu aquele que foge, de modo que necessariamente o mais lento terá sempre certa vantagem.

O paradoxo da flecha (3° argumento)

O raciocínio de Zenão, assumindo que tudo aquilo que ocupa um espaço igual a si mesmo ou se move ou está parado, e que nada se move em um instante e que o movido sempre ocupa um espaço igual a si mesmo em todos os instantes, parece que se processa da seguinte forma: a flecha que se move, e que em cada instante ocupa um espaço igual a si mesma, não se move, posto que nada se mova em um instante; mas o que não se move está parado, posto que tudo ou se mova ou está parado; então, a flecha que se move, enquanto se move, está parada durante todo o tempo da translação.




sexta-feira, 27 de março de 2020

Covid-19 e os cultos religiosos (Sobre a laicidade do Estado)

Texto: Covid-19 e os cultos religiosos (Sobre a laicidade do Estado)

Autor: Flavio Fontenelle Loque (flaviofonteloque@gmail.com)


John Locke, tido por muitos como o pai do liberalismo, discute a chamada separação entre Estado e Igreja na sua célebre “Carta sobre a Tolerância”. A certa altura, ele propõe um exemplo. Trata-se da história de um país que passa por uma carestia de alimentos e cujo Estado então decide proibir a imolação de animais em cultos religiosos. Pode o Estado tomar essa decisão? Ela não feriria a separação entre Estado e Igreja? A resposta de Locke é simples: o Estado pode sim instituir a proibição porque o decreto não tem como objetivo perseguir as igrejas, mas preservar a vida dos cidadãos. Por uma situação análoga passa o Brasil agora. Se o objetivo das medidas de restrição da circulação é evitar aglomerações, por que permitir que os cultos continuem acontecendo normalmente? Essas medidas restritivas não questionam o valor ou a importância da fé, o que deturparia a laicidade do Estado. Elas não têm natureza religiosa, mas política ou civil: a finalidade é pura e simplesmente a preservação da vida, bem maior. Claro que é possível pensar em “acomodações razoáveis”: as igrejas podem permanecer abertas para atendimentos individuais dos mais aflitos, por exemplo. Insistir na realização de grandes cultos, porém, é um erro grave (talvez mesmo um crime) que leva a desconfiar que os pastores estão mais interessados no velocino do que na saúde das ovelhas.

Restringir a circulação de pessoas é o que hoje se recomenda como meio de lidar com a pandemia de coronavírus. Acontece, no entanto, que é impossível parar a sociedade por completo: algumas atividades precisam ser mantidas, notadamente aquelas relacionadas à saúde, ao abastecimento e à segurança. São os chamados serviços essenciais. E os cultos religiosos? Seriam eles serviços essenciais? Há quem defenda que as igrejas permaneçam abertas em meio à pandemia alegando que a liberdade de culto é um direito. Esse é um argumento pífio e a objeção mais básica a ele consiste em notar que o mero fato de algo ser um direito não implica que seja essencial. Se fosse assim, a própria medida de restrição da circulação não poderia ser tomada, pois se choca com o direito de ir e vir. Contudo, para abordar de maneira mais ampla a questão da abertura dos cultos religiosos durante a pandemia de coronavírus, convém esclarecer a própria noção de direito à liberdade de culto.


O direito à liberdade de culto é uma conquista da Modernidade. Nos séculos XVI e XVII, em boa parte dos países europeus ocidentais, essa liberdade não existia. Acreditava-se que uma das tarefas do Estado era cuidar da salvação das almas e, por isso, a religião oficial (supostamente verdadeira) era imposta a todos os cidadãos. O que acontecia com quem não a professava? A resposta aqui varia, pois depende do período específico e do país em jogo, mas, em geral, pode-se dizer que os dissidentes estavam sujeitos a punições que iam de multas ao exílio e à morte. No final do século XVII, porém, mas em especial nos séculos XVIII e XIX, a concepção que se tinha acerca do papel do Estado se alterou: passou-se a considerar que entre suas funções não estava a de cuidar da salvação das almas por meio da imposição da religião oficial. A responsabilidade pela salvação era agora vista como pertencendo exclusivamente aos indivíduos e às igrejas a que eles se associam.

No caso do Brasil, a transição do Estado Confessional para o Laico se deu na virada do Império para a República. Em grandes linhas, o país abandonou um regime em que havia restrições ao culto de qualquer religião que não fosse a Católica Apostólica Romana (cf. Constituição de 1824, art. 5) para outro em que se assegurou legalmente a liberdade de culto (cf. Constituição de 1891, art. 72 §3). Cerca de cem anos mais tarde, a Constituição de 1988 ratificou a liberdade de crença e culto (cf. art. 5, VI) e é esse direito que parece sustentar o argumento de que os cultos são serviços essenciais e de que as igrejas devem então estar autorizadas a permanecer abertas em meio à pandemia do coronavírus. Os cultos religiosos, entretanto, podem realmente ser classificados como um serviço essencial?

A resposta é negativa. A julgar pelo breve panorama histórico traçado há pouco, não é difícil perceber que a liberdade de crença e culto tem o objetivo de assegurar que todo cidadão tenha o direito de escolher por si mesmo a sua própria religião sem se tornar passível de sanções por sua adesão religiosa. Hoje, no Brasil, mesmo com a medida de restrição da circulação, esse direito fundamental encontra-se plenamente resguardado. Como se vê, a defesa da autorização de cultos em meio à pandemia não se sustenta: não há razões legais para tanto. Mas temos todos olhos para ver?




















Na imagem, uma sátira intitulada "meios seguros e honestos para levar os heréticos à fé católica", datada do final do XVII, que serve como exemplo emblemático do que é não ter liberdade de culto.

LOQUE, Flavio Fontenelle. Covid-19 e os cultos religiosos (sobre a laicidade do Estado). 26 de Março de 2020. Facebook: usuário Facebook. Disponível em: Acesso em 27 de Março de 2020.

https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/03/19/justica-nega-pedido-feito-pelo-mprj-e-mantem-cultos-de-silas-malafaia-em-meio-a-pandemia.ghtml?fbclid=IwAR00BnlYUWrIWm--XKNv0PKT5GzF4BWMKDNICAwc9noaqzd5N52-t9qp7Ac

https://brasil.elpais.com/brasil/2020-03-20/igrejas-desafiam-recomendacao-de-suspender-missas-e-cultos-diante-da-pandemia-do-coronavirus.html?fbclid=IwAR3PXaHsKWdogGoDUf6kZonWEY4J2gVfSVnzajyKDMyEZSyXkLKkmFkPBMc#?sma=newsletter_brasil_diaria20200320

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