segunda-feira, 13 de julho de 2020

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) 30 ANOS DE EXISTÊNCIA

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) 30 ANOS DE EXISTÊNCIA



Por Carolina Cunha

A violência contra a criança e o adolescente sempre esteve presente na sociedade e em diferentes classes sociais. No Brasil, um avanço importante para reconhecer crianças e adolescentes como cidadãos com direitos e deveres foi a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado pela Lei 8.069, e que em julho de 2020 completa 30 anos.

O ECA representa um marco jurídico que instaurou a proteção integral e uma carta de direitos fundamentais à infância e à juventude. Ele considera criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade.

A lei estabelece: "É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária".

Ao todo, o estatuto tem 267 artigos que abordam diversos temas como o acesso a saúde e educação, proteção contra a violência e tipificação de crimes contra a criança, proteção contra o trabalho infantil, regras da guarda, tutela e adoção, proibição do acesso a bebidas alcóolicas, autorização para viajar, entre outras questões.

A criação da lei

Antes de 1988, o Brasil contava com o Código de Menores, documento legal para a população menor de 18 anos e que visava especialmente à questão de menores em “situação irregular”, de vulnerabilidade social. A visão tradicional da época era de que crianças e adolescentes eram incapazes e consideradas um problema para o Estado e autoridades judiciárias.

O ECA foi criado pouco depois da promulgação da nova Carta Magna, a Constituição Federal de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”, por prever novos direitos fundamentais aos brasileiros.

A lei regulamenta o artigo 227 da Constituição, que garante os direitos das crianças e dos adolescentes: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em 1989 houve a Convenção sobre os Direitos da Criança pela Assembleia Geral das Nações Unidas, ocasião em que foram discutidos compromissos internacionais que abriram caminho para as discussões do ECA no ano de 1990. O Brasil, então, tornou-se o primeiro país a adequar a legislação interna aos princípios consagrados pela Convenção. Ao longo dos anos, o Estatuto teve alterações introduzidas em eu texto, como por exemplo, a Lei de Adoção (2009), que acelera o processo de adoção e cria mecanismos para evitar que crianças e adolescentes fiquem mais de dois anos em abrigos.

Hoje o Estatuto é considerado um dos melhores do mundo, uma referência internacional em legislação para essa faixa etária e inspirou legislações semelhantes em vários países. Apesar disso, ainda hoje suas leis são desconhecidas pela maioria da população brasileira e em muitos municípios sua aplicação prática é descumprida.

Apesar de o ECA ter transformado a relação da sociedade com a questão dos direitos de crianças e adolescentes, ele ainda é ineficaz em diversos aspectos. Há muito que avançar nos direitos fundamentais assegurando a meninos e meninas uma educação de qualidade, assistência médica, moradia, alimentação, convivência familiar e comunitária, cultura, esporte, lazer, liberdade, dignidade e respeito.

Mudanças que a lei trouxe

Antes de o ECA ser promulgado, o Estado entendia que não havia diferença entre criança e adolescente. Também era comum ver crianças trabalhando ao invés de estudarem ou brincarem. O ECA contribuiu para que muitas mudanças acontecessem:

  • Reconhecimento de direitos: garantir que as crianças e adolescentes brasileiros, até então reconhecidos como meros objetos de intervenção da família e do Estado, passem a ser levados a sério e tratados como sujeitos autônomos. Hoje as crianças são vistas como cidadãos em desenvolvimento e que precisam de proteção.
  • Ensino: todo jovem tem direito a escola gratuita. E os pais são obrigados a matricular os filhos na escola.
  • Lazer: toda criança tem o direito de brincar, praticar esportes e se divertir
  • Saúde: crianças e adolescentes têm prioridade no recebimento de socorro médico, devem ser vacinados gratuitamente.
  • Políticas públicas de atendimento à infância e juventude: estabeleceu uma maior participação da sociedade civil, poderes públicos e dos municípios em ações de proteção e assistência social.
  • Proteção contra a violência: reconheceu a proteção contra a discriminação, violência, abuso sexual e proibição de castigos imoderados e crueis
  • Proibição do trabalho infantil: determinação da proibição de trabalho infantil e proteção ao trabalho do adolescente. A única exceção é dada aos aprendizes, que podem trabalhar a partir dos 14 anos com carga horária reduzida.
  • Conselho Tutelar: para cumprir e fiscalizar os direitos previstos pelo ECA, foi criado o Conselho Tutelar, órgão municipal formado por membros da sociedade civil. Atualmente 98% dos municípios contam com o apoio de conselheiros.
  • Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente: foram criados os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, que existem nas esferas municipal, estadual e nacional e têm como atribuição o monitoramento e a proposição de políticas públicas.
  • Novas regras para o adolescente infrator: foram definidas medidas socioeducativas para infratores entre 12 e 18 anos que precisam cumprir pena em unidades que visam à reeducação e a reintegração do jovem. 

A polêmica da redução da maioridade penal

Um dos pontos mais criticados do ECA é a questão de como tratar o ato infracional praticado por menores. A maioridade penal é a idade mínima para uma pessoa ser julgada como adulto. No Brasil, essa idade é 18 anos. Se menores cometerem atos ilegais, a legislação que julga e decide a punição é o Estatuto, que possui artigos que se dedicam ao ato infracional.

A lei prevê que a menor idade de responsabilidade criminal é 12 anos. Entre 12 e 18 anos, estes jovens infratores devem ser atendidos por um sistema de justiça juvenil e com medidas socioeducativas que podem incluir internação em instituição para adolescentes. A pena máxima é de três anos.

Há quem considere a lei branda demais para punir adolescentes que comentem crimes ou infrações. Isso vem motivando um debate acalorado sobre a questão da redução da maioridade penal.

Em março de 2015, a Câmara dos Deputados retomou a discussão da PEC 171/1993, projeto que propõe baixar de 18 para 16 anos a idade mínima para, em casos de crimes violentos, uma pessoa ser julgada pela Justiça Comum. O projeto está aguardando apreciação pelo Senado Federal desde 2015.

Defensores do ECA afirmam que o crime deve ser punido, mas é preciso considerar as diferenças no desenvolvimento físico e psicológico nos adolescentes em relação aos adultos. Para críticos, o Estado não é eficaz em recuperar o menor, e o ECA seria um instrumento que garantiria a impunidade em relação aos adolescentes em conflito com a lei.

Bibliografia

Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível online

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente 9ª, Vários autores (DP&A, 2009)

Direitos Da Criança: Era Uma Vez..., A. Reis Monteiro (Almedina, 2010)

segunda-feira, 6 de julho de 2020

A Constituição e a defesa do regime democrático

A Constituição e a defesa do regime democrático

Autor: Geraldo Brindeiro 

A Constituição estabelece que todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido, por intermédio de representantes eleitos ou diretamente. A soberania popular é norma constitucional. E o voto direto, secreto, universal e periódico é cláusula pétrea. Na democracia representativa, contudo, as maiorias são eventuais. Daí a importância da preservação das liberdades e dos direitos fundamentais – não apenas no período eleitoral, mas durante todo o mandato dos eleitos. O eleitorado – sobretudo as novas gerações de eleitores – precisa ter garantida a plenitude das liberdades e do acesso às informações dos governantes para avaliar seu desempenho e votar livremente nas eleições seguintes.

No regime presidencialista – adotado no Brasil desde o início da República, nos moldes do presidencialismo originário dos Estados Unidos da América – a maioria elege o presidente da República e os membros do Congresso Nacional para exercerem o poder durante os respectivos mandatos. Na República e na democracia, portanto, por definição, o poder político é temporário e limitado. Deve ser exercido, durante o mandato eletivo, com o devido respeito à Constituição e às leis do País e observado o princípio da separação dos Poderes – que é também cláusula pétrea, assim como a Federação e os direitos e garantias individuais.

Na célebre obra De l’Esprit des Lois, em 1748, Montesquieu criou a doutrina da separação dos Poderes exatamente para evitar a concentração de poder e preservar as liberdades e os direitos fundamentais. E nos The Federalist Papers, escritos durante o período de realização da Convenção de Filadélfia, que deu origem ao presidencialismo e à Constituição americana de 1787, James Madison foi além e preconizou a adoção do sistema de freios e contrapesos (checks and balances) para realizar o controle recíproco dos Poderes no exercício de suas funções constitucionais, evitando abusos e excessos do que denominou majority tyranny (Federalist n.º 51). Finalmente, Alexander Hamilton observou ainda que a garantia da supremacia da Constituição é responsabilidade do Poder Judiciário em razão da natureza de suas funções: “... the judiciary, from the nature of its functions, will always be the least dangerous to the political rights of the Constitution” (Federalist n.º 78).

O Poder Executivo dirige a administração pública (“holds the sword”), o Poder Legislativo controla as finanças do Estado (commands the purse) e prescreve as normas legais (“prescribe the rules”...) e o Poder Judiciário julga de acordo com a Constituição e as leis (“The interpretation of the laws is the proper and peculiar province of the courts”). 

Os ministros do Supremo Tribunal Federal – tal como os justices da Suprema Corte americana – não são eleitos pelo voto popular. São, todavia, os guardiães da vontade do povo expressa na Assembleia Constituinte e formalizada na Constituição. E sua nomeação transcende o mandato do presidente que os nomeou após prévia aprovação do Senado. A vitaliciedade garante sua independência para realizar os julgamentos. A vedação de atividade político-partidária lhes confere isenção e imparcialidade ao interpretar a Constituição e as leis do País, sem estar adstritos às contingências de mandato eletivo, o que assegura a estabilidade jurídica e a promoção do bem comum, e não de interesses de facções políticas.

No livro A Preface to Democratic Theory, Robert Dahl observa que James Madison, ao referir-se ao princípio republicano, preconiza a necessidade de instituição “that will blend stability and liberty” de maneira a assegurar os interesses comuns e permanentes da comunidade (Federalist n.º 63). Alexander Bickel, professor de Yale, na obra The Least Dangerous Branch – The Supreme Court at the Bar of Politics, argumenta que, desde Marbury versus Madison em 1803, quando a Suprema Corte criou o judicial review, esta tem a última palavra sobre a interpretação da Constituição. E observa que a Suprema Corte tem mantido contínuo colóquio com as instituições políticas para alcançar acomodação e compromisso sem abandono de princípio, destacando o caráter contramajoritário do seu papel. Laurence Tribe, professor de Harvard, no livro On Reading the Constitution argumenta que interpretar a Constituição não é reescrevê-la. E a despeito de teorias de interpretação e hermenêutica com alto grau de abstração dos princípios e normas constitucionais, é preciso estabelecer linha divisória entre o que a Constituição diz e o que o intérprete deseja que ela diga, sob pena de violação da vontade do povo manifestada na assembleia constituinte. Alexander Hamilton já observara que não se deve supor que o Judiciário seja superior ao Legislativo, mas sim que o poder do povo expresso na Constituição é superior a ambos.

O governo democrático deve respeitar a liberdade de expressão e de imprensa, admitir críticas e garantir o acesso de todos às informações governamentais. Não há democracia sem liberdade, pluralidade de ideias e de partidos políticos e tolerância recíproca na convivência e na diversidade. E a Constituição estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. E ao Ministério Público, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático.

*DOUTOR EM DIREITO POR YALE, PROFESSOR DA UNB, FOI PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA (1995-2003)
Disponível em: <https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/a-constitui%c3%a7%c3%a3o-e-a-defesa-do-regime-democr%c3%a1tico/ar-BB16nuDE?ocid=msedgdhp>

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